Somos todos Poeira de Estrelas

"... à exceção do hidrogênio, todos os átomos que compõem cada um de nós - o ferro no sangue, o cálcio nos ossos, o carbono no cérebro - foram fabricados em estrelas vermelhas gigantes a milhares de anos-luz no espaço e a bilhões de anos no tempo. Somos feitos, como gosto de dizer, de matéria estelar."
(Carl Sagan)


segunda-feira, 22 de março de 2010

O divórcio

Eu já estava separada do meu marido há alguns anos, e resolvi fazer o meu divórcio.
Falei com uma advogada, ela me orientou sobre o que era preciso fazer. Arranjei duas testemunhas. E finalmente o dia para a audiência foi agendado.
Eu então comprei um vestido bonito, elegante e sóbrio de acordo com a ocasião. Afinal o divórcio não tinha o “glamour” de um casamento, mas também era um evento importante. Comprei também sapatos novos.
Atualmente existe o Dia de Noiva eu naquela época fiz o meu Dia de Divorciada. Fui ao salão de beleza, fiz embelezamento das minhas unhas dos pés, das mãos, cabelos e etc. Fiz também uma maquiagem discreta.

Calculei o tempo que levaria para chegar ao fórum com uma margem de segurança, para evitar que contratempos me fizessem chegar atrasada.
Imaginei como seria encarar meu marido mais uma vez e que seria um momento de tensão.
A audiência estava marcada para as onze horas. Chegamos ao fórum com alguma antecedência, eu minha filha mais nova e minhas duas testemunhas e lá nos encontramos com meu marido. Cumprimentamos-nos formalmente e com seriedade. Eu decidi manter uma distância dele que me fosse confortável. Nossos semblantes apresentavam leve tensão.
A advogada havia me aconselhado a ficar preparada para imprevistos, pois o meu marido poderia dizer palavras que poderiam prejudicar o andamento da ação.
Fiquei treinando mentalmente o que deveria falar quando estivesse na presença da juíza.
O corredor do fórum estava muito cheio de gente. As pessoas falavam alto.
Ficamos aguardando até à hora marcada para a audiência.
Eu esperava de um lado e o meu marido do outro. As testemunhas e minha filha mais nova ora ficavam do meu lado e ora ficavam do lado do meu marido
O nosso horário chegou e nós não fomos chamados.
Eu olhava para as duas testemunhas e pensava: Creio que não foi sensato convidar estas duas pessoas para testemunhar. Eles são jovens, em estado de amor, cheios de sonhos e estão aqui para testemunhar o fim de um casamento. Pensava também: Por que eu acreditei que meu casamento era para sempre?
Uma das testemunhas havia se comprometido com o patrão de que voltaria a trabalhar, ainda naquele dia. Eu os havia avisado que a audiência não demoraria muito tempo.
Esperávamos.
De vez em quando aparecia uma pessoa na porta da sala da juíza e chamava um nome.
Achei aquilo estranho e fui perguntar à secretária da juíza, a mulher que aparecia na porta fazendo a chamada, o que estava acontecendo, pois meu horário já havia passado. A secretária me disse: Vocês são os próximos. Relaxei e voltei a esperar.
A hora foi passando e começamos a ter fome e vontade de ir ao banheiro, mas nós concluímos que não poderíamos sair dali porque a juíza poderia nos chamar a qualquer momento. A fome e o cansaço foram aumentando em nós. O corredor foi ficando vazio e mais silencioso. De repente estávamos todos próximos, descontraídos, rindo da situação e fazendo piadas. O cansaço já me sugeria até a deitar no colo do meu marido. E eu pensei: Meu Deus isso é um divórcio ou uma reconciliação?
Meu marido me perguntou: Nea, como é isso, nós somos os próximos e já entraram mais de dez pessoas na nossa frente?
Fui mais uma vez falar com a secretária. Ela tranquilamente me disse: É uma ação de guarda de criança. É assim mesmo demora, mas vocês são os próximos.
Continuou o entra e saí na sala da juíza. Meu marido então falou: Nea, vá logo ao banheiro. Essa mulher vai chamar a gente é nunca.
Eu fui e voltei e nada aconteceu.
Já passavam das 16 horas e a fome persistia. Continuávamos com as nossas conversas e brincadeiras. O meu marido fazia gracejos e eu dizia. Fale baixo, a juíza pode nos prender.
O corredor ficou mais vazio e mais silencioso. Lá só estávamos nós e mais duas pessoas da ação de guarda.
Depois estas pessoas foram embora e ficamos sozinhos. Já não havia mais piadas, o cansaço, a fome e a sede nos dominaram e ficamos quietos olhando para a porta da sala.
Lembrei-me daqueles filmes em que as pessoas vão sumindo aos poucos e de repente some todo mundo? Foi exatamente igual. O corredor estava vazio e apenas nós estávamos sentados em um banco de madeira e em silêncio.
Eu pensei: Essa juíza não vai nos atender hoje.
De repente a porta foi entreaberta e um rosto surgiu. Era a secretária, ela olhou para um lado e para outro e perguntou: Tem mais alguém aí que quer falar com a juíza?
Nós estávamos apáticos e eu respondi:
Tem. Eu.
A secretaria então falou: Aguarde um momentinho.
Continuamos apáticos e aguardamos mais um “pouquinho”.
Finalmente a porta foi entreaberta mais uma vez e a secretária nos chamou.
Rapidamente restaurei as minhas energias, me concentrei, repensei tudo o que poderia dizer e entramos na sala.
A secretaria nos mandou sentar, a juíza nos cumprimentou, perguntou se o divórcio era consensual, distribui uns papeis com poucas linhas para que lêssemos e assinássemos. Levantou-se e foi embora.
Eu pensei que ela havia ido ao banheiro.
A secretaria recolheu os papéis e eu perguntei: Acabou?
Ela: Falou sim. Podem ir.
Voltamos a rir e a relembrar nossas piadas e nossos comentários sobre a situação. Já havia anoitecido e fomos almoçar.
O meu vestido passou a ser chamado de vestido do divórcio. Ele ainda está no meu armário.
(Gilnea Rangel)

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