Somos todos Poeira de Estrelas

"... à exceção do hidrogênio, todos os átomos que compõem cada um de nós - o ferro no sangue, o cálcio nos ossos, o carbono no cérebro - foram fabricados em estrelas vermelhas gigantes a milhares de anos-luz no espaço e a bilhões de anos no tempo. Somos feitos, como gosto de dizer, de matéria estelar."
(Carl Sagan)


sexta-feira, 19 de março de 2010

Jasmim tem cheiro de saudade


Minha avó era uma mulher linda, altiva, forte e cheia de atitude. Embora não tivesse estudo era parteira, psicóloga, médica e a esperança das pessoas da região onde morávamos. Ela decidia tudo na família era uma rainha.
Meu avô aparentava ser frágil e era bonachão.
Uma noite, quando eu tinha aproximadamente quatro anos, a minha avó e a minha mãe saíram para atender a uma parturiente e me deixaram sozinha, dormindo em minha casa que era no terreno da casa de minha avó. Eu acordei e chorei muito. Foi a primeira vez que me deparei com a solidão e ela era enorme e monstruosa. Meu avô ouviu meus gritos foi até minha casa, arrombou a janela, me salvou e me levou em seus braços. Dormi tranquilamente o resto da noite.
Sempre que meu avô ia fazer alguma atividade, ele me chamava para ver: Vamos Néa, vem me ver ensacar bananas!
Certa vez ele me chamou e não disse o que ele iria fazer. Eu apenas o segui. Chegando ao lugar ele começou a trabalhar com uns pedaços de madeira. Ele lixava, conferia se a madeira estava lisa e construiu uma caixa. Pintou de branco e vez por outra me perguntava: Está ficando bonito Néa?
Ele fazia aquela caixa com muito amor. Era tanto amor que me envolvia e me deixava entorpecida. Ele colocou uns enfeites: anjinhos e flores de metal prata. Até que me falou: Néa é para seu priminho ele vai ter o caixãozinho mais lindo daqui.
Finalmente meu avô acabou de construir o caixão e eu fui para a casa do meu primo.
Lá, na sala havia uma mesa coberta com uma toalha branca e meu priminho estava bem vestido e sobre ela. Algumas pessoas entravam e saiam. Todos iam olhar meu primo. Algumas mulheres o limpavam se alguma secreção escorria do corpo dele. Eu tinha a sensação de que naquele dia a vida fez uma pausa e eu tinha certeza de que depois, ela seguiria normalmente e esse sentimento eu via nos olhos de todos.
Depois colocaram o menino no caixão e fomos acompanhá-lo até o cemitério. Havia muitas crianças e alguns adultos. Eu levei uma guirlanda de jasmins brancos até a metade do caminho e a minha tia mais nova do que eu a levou até o cemitério. Lá ela colocou as flores em uma cruz que havia na cabeceira da cova dele.
Meu primo foi deixado lá no cemitério sozinho e voltamos. Eu me convenci de que ele não teria problemas com a solidão.
O tempo passou ninguém mais falou no nome do meu primo, mas com certeza ele nunca foi esquecido.
Gilnea Rangel

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