Somos todos Poeira de Estrelas

"... à exceção do hidrogênio, todos os átomos que compõem cada um de nós - o ferro no sangue, o cálcio nos ossos, o carbono no cérebro - foram fabricados em estrelas vermelhas gigantes a milhares de anos-luz no espaço e a bilhões de anos no tempo. Somos feitos, como gosto de dizer, de matéria estelar."
(Carl Sagan)


quinta-feira, 8 de abril de 2010

O Caderno de Perguntas

Certa vez uma coleginha de turma do curso ginasial levou para a nossa sala de aula um Caderno de Perguntas.
O caderno era lindo, tinha capa bonita. Na primeira página estava escrito com bela caligrafia: Caderno de Perguntas. Cada página seguinte continha uma pergunta na primeira linha e as linhas seguintes eram numeradas e ficavam vazias para receberem as respostas. A última página era reservada para que se escrevesse um texto qualquer.
Muitas crianças queriam responder as perguntas do caderno, então foi preciso determinar uma seqüência.
Qualquer criança poderia responder, mas os meninos não demonstraram grande interesse.
Cada menina ficava com o caderno o tempo necessário, mas antes de responder as perguntas, sempre davam uma olhadinha nas respostas anteriores.
Eu era uma das primeiras da fila e logo chegou a minha vez. As primeiras perguntas eram: Qual o seu nome? Qual a sua idade? Onde você mora? Tem namorado? Qual o nome dele? Que gosto tem beijo na boca?
Não lembro o que respondi sobre ter namorado, mas quanto ao sabor do beijo eu coloquei morango.
Eu não sei por que morango. Naquela época, eu gostava e comia muito era manga, tangerina, melancia e jaca.
Acredito que respondi morango porque eu nunca tinha comido esta fruta in natura e também nunca tinha beijado nenhuma boca.
Eu não menti. No meu imaginário beijo tinha gosto de morango. Sabor desconhecido...
Para esta pergunta, as respostas anteriores eram, ou pêra ou uva ou maçã ou chocolate ou etc.
Ninguém respondeu que beijo tinha gosto de saliva.
Imagine se eu respondesse que beijo na boca tinha gosto de jaca.
O caderno não era jogo da verdade. A criança podia responder o que quisesse, não havia críticas nem censuras. Poderia até criar o que hoje é um “Fake”.
Quando acabei de responder às perguntas, eu passei o caderno para a próxima e assim foi. Enquanto o caderno circulava pela sala nós fazíamos vários comentários sobre ele. Existia o desejo de que os meninos participassem da brincadeira. O caderno fazia o maior sucesso, até que certa hora a inspetora o apreendeu. Ela o folheou e com uma cara de espanto o levou às autoridades da escola.
Imediatamente todas as meninas que colocaram seus nomes no caderno foram convocadas para conversar com um grupo formado para tratar daquele assunto sério, seguindo-se uma tabela de horários.
Eu pensei: Alguém depois de mim, deu respostas indecentes e sendo assim, provavelmente eu seria repreendida e com razão.
Chegou a minha hora de comparecimento perante o tribunal. Algumas meninas resolveram me acompanhar, mas foram barradas na porta da sala.
Uma das componentes do grupo me recebeu e disse que eu não deveria ter permitido que as minhas coleginhas me acompanhassem até ali. Perguntou se eu não tinha vergonha de que outras meninas soubessem que eu participei de algo impróprio.
Eu pedi para ver o caderno e verifiquei que não havia nada que pudesse ter dado origem àquele rebuliço.
As senhoras do grupo me fizeram algumas perguntas.
Quando terminou o interrogatório eu perguntei: Quando vocês vão devolver o caderno?
Não me responderam, mas esta era a resposta que as meninas que ficaram lá foram esperavam.
Depois percebi que fui tratada como vítima e não com ré. Elas me aconselharam a não mais participar de cadernos de perguntas.
O Caderno de Perguntas não foi liberado e nunca mais eu vi um, mas até hoje, ainda existem pessoas que os elaboram. Neste tipo de caderno, as perguntas variam de acordo com a vontade da pessoa que as fazem e a respostas de acordo com as pessoas que as dão. Podem ser inocentes, maliciosas, inteligentes, espirituosas, reveladoras e etc. Ainda são usados por crianças e adultos para registrar rituais de passagem, formaturas e etc. Muitas vezes são guardados como recordação de uma fase da vida de uma pessoa.
Hoje entendo que na década de 60, o caderno foi um corpo estranho que invadiu o colégio e assustou o corpo docente. A escola, não possuía defesa e nem procedimentos para lidar com ele, mas pressentiu que ali poderia estar algum tipo de ameaça aos alunos. A preocupação com a sua aparição naquela época se assemelha a preocupação que os pais, as mães e os educadores possuem hoje com a internet, o orkut e outros sites de relacionamentos.
Qualquer instrumento nas mãos de pessoas mal-intencionadas pode oferecer risco para outras pessoas, principalmente crianças e adolescentes.
Atualmente algumas escolas já possuem em seus currículos, matéria sobre crimes na internet. Pode-se e deve-se navegar pela internet, mas é necessária muita atenção e cuidados. Temos que ser cuidadosos em tudo o que fazemos na vida.
Os Cadernos de Perguntas, o orkut, o twitter e etc. são instrumentos para socialização, com trocas de experiências, entretenimento, enfim... para satisfazer a nossa curiosidade sobre o outro.
Atualmente existem Cadernos de Perguntas Virtuais e também o formspring.me que é uma rede social onde ”internautas” podem fazer perguntas para outros ”internautas”.
As perguntas são formuladas, de acordo com a índole do questionador, mas você pode responder o que quiser ou ignorá-las.
Gilnea Rangel

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